Caeiro, também aqui, é o mestre. Este blogue é mantido por Possidónio Cachapa e todos os que acham por bem participar. A blogar desde 2003.
30 de dezembro de 2005
Ontem, vi numa entrevista na tv, a modelo Diana Pereira, ex-lolita, transformada agora numa mulher jovem e inteligente, dizer que apoiava Cavaco Silva por ter uma "pequenina esperança de que ele pudesse fazer alguma coisa por isto". Isto é o país. Foi o seu único movimento menos feliz, nesta entrevista, e nem sequer por culpa dela. É apenas nova. Ainda não descobriu que os políticos são todos farinha do mesmo saco. Talvez isto a ajude:
Alguns posts abaixo referi que o projecto inenarrável de dislate de apoio ao filme do Carlos Saura pela EGEAC, Câmara Municipal de Lisboa, tinha sido detido pela oposição. Bem, o vereador da "cultura" voltou à carga, a coisa voltou a ser votada e aprovada.
A oposição, Carrilho, cdus e por aí fora, ABSTIVERAM-SE. Deixou de lhes parecer estranho que em tempo de crise, numa altura em que as artes perderam a quase totalidade dos apoios e os artistas portugueses lutam com as maiores dificuldades para sobreviver, a Câmara de Lisboa pegue em 1, 2 milhões de euros (perto de 250 mil contos) sejam oferecido ao velho "hermano". Mais IVA, por ser a empresa camarária (se for de 21%, será qualquer coisa como 252 00 0euros).
Como em todas as decisões enigmáticas, poderíamos usar a expressão "cherchez la femme", quem vai lucrar com isto? Porvavelmente alguém irá. E espero até que haja cumplicidades que tirem corrupto proveito desta decisão. Porque no caso contrário será apenas estupidez e delapidação do erário público. E isso ainda seria mais triste.
Meus amigos, se isto é normal, abram-me a porta do autocarro dos anormais que eu fujo com vocês.
Daí, minha querida Diana, que o teu Cavaco, por mais simpático que te pareça, não possa (nem provavelmente pretenda) fazer qualquer coisa por isto. Pelo nosso buraquinho com vista. É apenas mais um deles.
17 de dezembro de 2005

NATAL
Como vou estar em recolhimento natalício-escriturante, na província e provavelmente sem net, aproveito para mandar um abraço a todos. Amigos dos dois lados do Atlântico e dos dois lados do ecrã do computador. Aos que visitam este blogue desde a primeira hora e aos mais tardios.
Tranquilidade. Ao menos por uns dias.
16 de dezembro de 2005

UM MILHÃOZINHO PARA O TIO CARLOS
Fui poupado à visão de ver a lista do psd ser reeleita para a câmara de Lisboa. Depois de aturarmos o Santana, recebemos o sem-ideiasCarmona.
O psd tem um problema com a cultura: não tem ninguém com interesse que seja filiado ou simpatizante. Nem um.
Aliás tem dois problemas, sendo o segundo o facto de achar que a cultura é uma jóia ormanental. Uma coisa decorativa e inútil. Daí que permita que estas zonas sejam chefiadas por aqueles que não servem para mais nada. Os brainless do aparelho. Os ornamentais. O executivo anterior meteu lá uma senhora loura e argolada de que já nem me lembro o nome.
Este meteu o Amaral Lopes. Que é um senhor simpático. Pena não perceber a diferença entre a ponta de um sapato italiano e um filme romeno.
Neste caso, a diferença entre apoiar o cinema e estourar 1, 2 milhoes de euros com um realizador espanhol. Para seu desgosto, em reunião do executivo a oposição disse Não à ideia peregrina de pagar um filme sobre Lisboa com o dinheiro dos contribuintes. Assim, sem concurso.
De onde veio esta brilhante ideia quando o referido autarca ( e ex-secretário de estado, benza-o deus) apregoa que não tem dinheiro porque as sardinhas das marchas comem a maior parte do orçamento, é um mistério. Lembrou-se. Pronto.
Pior do que ter no departamento cultural um psd sem ideias é ter um com ideias.
Esta, pavorosa, foi chumbada. Mas outras virão. Podem ter a certeza.
O jornalista colocou hoje um ponto final no trabalho que mantinha Há 14 anos com o Público. Muitos fomos os que nos habituámos a comprar o jornal à sexta-feira para o ler (e, de vez em quando, pelo INIMIGO PÚBLICO).
Nem sempre concordo com as suas posições. Mas acredito que ele acredita no que afirma. Pelo menos naquele momento. E isso, numa terra de oportunistas e de aldrabões instalados, respeita-se. Por ser raro.
Aqui lhe deixo um abraço e me junto ao coro dos que acham que há menos uma razão para continuar a ler jornais.
Quando se confia um texto nosso para adaptação, seja ao teatro ou cinema, entregamos a coisa um bocadinho nas mãos de Deus. Isto é: seja o que o Dito quiser. Adaptar é transferir para um novo meio aquilo que provém de outro regido por diferentes regras. O que não é fácil.
Mas é também um olhor de um "leitor" sobre o que foi feito e a respectiva filtragem e recontrução da obra original.
A adaptação de José Rui Martins e do Trigo Limpo-ACERT foi uma encantadora surpresa. Conseguiram fazer o SEU espectáculo respeitando escrupulosamente o que tinha sido um livro.
Personagens como Sacha, o-dos-olhos-azuis, ganham uma tridimensionalidade que não deixa de emocionar o antigo leitor. As figuras das meretrizes descolam-se das folhas onde se inscrevia a Túlipa Negra e movem-se, cantam e fazem rir.
O trabalho dos actores é, na sua generalidade, bastante bom. Boas soluções de encenação foram encontradas para uma narrativa inicial muito longa e variadíssima no espaço e no tempo.
Também o trabalho de cenografia é formidável, inaugurando-se o espectáculo com uma cadeia feita de luz e fumo esteticamente formidável.
Chamada de antenção para a música feita por alguns dos nossos melhores músicos e cúmplices da companhia. Entre outros Zeca Medeiros (o realizador de Xailes Negros e músico premiado este ano com o troféu José Afonso) ou Carlos Guerreiro (Gaiteiros de Lisboa...).
Nenhum crítico, que eu visse, se dispôs a percorrer os 300 km desde a capital ou a hora de carro que separa o Porto. Mas espero que ainda o façam, ou perderão um belíssimo espectáculo.
E não falo por mim, que a noite de alegria de ontem foi da companhia teatral e do público convidado.
ps: também é maravilhoso ver esgotar salas de 300 lugares para ver teatro.
14 de dezembro de 2005

Estreia amanhã, a versão teatral do meu romance. Uma adaptação a cargo de José Rui Martins e do grupo ACERT - Trigo Limpo, sediado em Tondela.
Para quem mora na região fica o convite para a representação. Os outros terão de esperar pela digressão a efectuar em 2006.
Mais detalhes, aqui.

Portugal tem no consumo de tabaco um sério problema de saúde pública. Basta aterrar em Lisboa para se começar a sentir o cheiro. Depois avistamos as pessoas, em magotes, correndo para o primeiro sítio permitido e muitas nem isso respeitam. Fazer compras num centro comercial é ter a certeza de sermos obrigados a fumar vários maços. A experiência bem sucedida em vários países de restringir o fumo às zonas descobertas ou do domínio privado, nem sequer é tentada por aqui. É chata, vai contra uma dependência química enraízada e até é capaz de fazer perder alguns votos. Ninguém a vai apoiar publicamente, já que 90% dos jornalistas fumam e os deputados... parecem chaminés.
Dentro de alguns anos estaremos todos a pagar por esta negligência pública. Os contribuintes, com os impostos para pagar o miríade de maleitas associadas. Os fumadores-passivos, com cancros e enfermidades que nem sabem de onde lhes caíram.
Mas vai tudo bem, na terra do deixa-andar.
13 de dezembro de 2005

De volta a casa, vejo que está tudo muito diferente no país: O Malato e a loura continuam inenarráveis, na RTP, o Goucha e a loura não têm explicação, na TVI, a Fátima Lopes e o Donaldim entopem a Sic e por aí fora. Neste caso, nem as moscas mudaram.
Não assisti às eleições autárquicas, por isso só agora descobri que quase todos os arguidos por escandaleiras e corrupções foram eleitos de forma apoteótica. Como diria o Miguel S.Tavares isso só vem provar que cada cidade tem o que merece.
Gostaria de não estar para as presidenciais onde tudo se perfigura para ter um presidente gasolineiro que raramente tem dúvidas, nunca se engana e tem a sensibilidade de um elefante numa loja de louças no que toca às questões sociais.Só se for a poetisa da mulher que ajude à coisa. Desde que ela dedicou um poema ao Herman José, no programa em que este lambeu as botas ao político, que Portugal nunca mais foi o mesmo.
A hipótese B é um velhinho simpático, que já deu o que tinha a dar, entre charutos e aquela descontracção de quem viveu a maior parte da existência confortavelmente. Fez um bom trabalho, no seu jeito decorativo, mas já não há pachorra.
Ao meu lado dorme um gato que nem pensa nestas coisas. Ele é que tem razão. O resto é fogo de artifício. E do baratinho.
12 de dezembro de 2005
O meu celular/telemóvel ainda anuncia que estou fora. Mas não é verdade. Já tomei chá sobre o casario de Lisboa. Já o Natal ganhou algum sentido porque embrulhado em frio.
Trouxe comigo desta viagem a memória de tanta terra como muita gente não conseguiu ver. Do Maranhão ao Rio Grande do Sul, os Brasis quase todos avistei.
Esta viagem não teria sido possível sem a ajuda de tantos amigos. E esse foi o presente inesperado e valioso que o destino me deu. É graças a eles que eu reconheço o sotaque do interior da Bahia e sei distinguir um caruru de um acarajé. Ou encontrei o Araguaia das minhas leituras e soube que nas suas margens vivem tracajaras e iguanas. Nem sabia que existiu um dia um presidente mulherengo que teve o sonho de unir o Brasil no centro, no meio do mato, lá onde os pontos se cruzam e a poeira vermelha botou fogo nos olhos dos boiadeiros. Deram-me conhecimentos, amizade e um sentido da hospitalidade que julgava perdido.
Neste regresso a casa o meu coração está com eles: Carlos, Ronaldo, Alaore, Luiz, Jorge, Bárbara, Lélia, André e todos os outros que não tendo aqui o nome ganharam a minha estima e gratidão. Obrigado pelo tapete macio que me lançaram debaixo dos pés.
Sem vocês, nunca teria atravessado o vosso país-continente.
7 de dezembro de 2005
... No momento em que começo a escrever este post. E estou com uma dor de estômago, súbita e persistente. Daí que não dê para fazer balanço desta viagem que amanhã termina fisicamente (a aventura continua, mas agora de forma caseira, diante do computador e no frio português.
Aproveitei para me reconciliar com o Rio, indo a Santa Teresa, vendo os antigos casarões do início do século ( a que muitos cariocas adoram chamar "coloniais", esquecidos por certo da data da indendência do país-irmão - o mesmo tipo de esquecimento que leva colunistas de grandes jornais a incensarem livros escritos por estrangeiros, portadores da tese que D.João VI, a quem o Rio deve quase tudo o que o tornou maravilhoso, num cretino...). Claro que encontrei moradores a comentar que n noite anterior tiveram de se meter debaixo da cama por causa dos tiros. Mas isso é "normal", numa cidade refém da violência e que toma cerveja e fuma maconha até caír. Ou esquecer, o que é o mesmo.
Amanhã regresso ao país de onde saí. E, por uns tempos, não vou ser o mesmo.
5 de dezembro de 2005
iLHA GRANDe Deixámos para trás as favelas, as histórias de traficantes que se condenam mutuamente à morte, de praias encostadas aos morros carcereiros acusadores. E chega-se ao mar do oeste. A escuna a abarrotar leva música do nordeste dentro. Os gringos deixaram o cérebro para trás. E eu também que o tempo é de pacificar. E chega a Ilha que vive dos que chegam. E vem o mar e as ondas que misturam conchas e folhas da vegetacão antiga. Daquela que insistem em fazer desaparecer para enfiar campos de soja e dinheiro nos bolsos de fazendeiros e deputados, país fora. A vegetacão que aconchega montes em bico. Montes, não morros. Porque morro se tornou em plataforma de homem com fome. E este mar continua cheio de peixe. |